Necessidade de estabilidade vs Necessidade de mudança

3 de outubro de 2024

Durante 2 anos e 8 meses eu estive atuando em uma instituição de educação superior e pude aplicar meus conhecimentos em estratégia e gestão para os desafios desse segmento. Parte dessa experiência foi compartilhada em um podcast, a convite da professora e pesquisadora Ana Ghisleni, para compor a disciplina Gestão Estratégica na Educação, do MBA em Gestão de Alta Performance na Educação, da Unisinos.

A íntegra do bate-papo você escuta aqui, e, se preferir, abaixo está a transcrição do que falamos.

Cecília, cada vez mais estamos vivendo um cenário de mudanças intensas e rápidas, às vezes ancoradas em necessidades reais de ajustes, às vezes estimuladas pelo ímpeto de simplesmente fazer diferente. Que consequências isso tem trazido para a condução das organizações, principalmente as educacionais? O título desse podcast faz uma brincadeira criando um antagonismo entre a estabilidade e a mudança. Isso é real? 

Creio que podemos abordar este tema com uma provocação: será que é versus mesmo, ou não podemos refazer essa proposta de discussão apontando para o quanto a estabilidade dá segurança estratégica para mudanças? Ou mesmo que mudanças fazem parte da estabilidade. 

Quando trazemos a palavra estabilidade, ativamos um campo simbólico de algo imóvel, sólido, firme, e isso nos remete à ausência de movimentos. Enquanto a palavra mudança está no campo oposto de significados…

Ora, se estamos falando de organizações, e as educacionais nesse conjunto, precisamos entender que o estar vivo pressupõe movimento. Logo, a estabilidade inclui a capacidade de mudar. 

A pergunta é o quê mudar e quando mudar. 

Então, é preciso conhecimento e consciência do que é estratégico, do que é o posicionamento da organização, para tomar decisões sobre mudanças, e isso inclui exatamente o que você trouxe na sua pergunta, sobre necessidades reais de ajustes, ou o ímpeto de simplesmente fazer diferente. 

A pergunta é por quê fazer diferente? A resposta estará ligada ao que é importante para a organização (desde que ela saiba, claro!) e para o seu propósito em interlocução com o zeitgeist, ou o espírito do tempo. Quero dizer que essas decisões devem levar em conta impactos de curto, médio e longo prazo, e isso é extremamente relevante quando falamos de instituições de educação, porque o impacto da nossa atuação e, portanto, das nossas decisões, aparece na sociedade depois de anos, décadas, gerações. 

Infelizmente, vemos decisões serem tomadas de forma um tanto quanto arbitrária, sem levar em conta esses impactos, e com um olhar de curtíssimo prazo, que posiciona a educação como um negócio, e não como um segmento estruturante de toda a sociedade, com reflexos em absolutamente todas as outras esferas.

Estamos vivendo contextos de mudança muito acelerados e muito complexos. Como a educação, na perspectiva da gestão, vem lidando com isso? 

A educação é um segmento bastante diverso e regulado, o que cria pressões muito particulares para essas instituições. 

Vamos abordar esse tópico de uma perspectiva que inclui uma cobrança muito grande por uma educação funcional, que prepare as pessoas para o trabalho — trabalho esse com cenários bastante voláteis já agora, e ainda mais quando projetamos numa perspectiva geracional. Vemos essas discussões de forma mais ou menos incisiva em todos os segmentos da educação. 

Junto com essa cobrança, vêm as questões econômicas, que são relevantes porque pressupõem a própria sobrevivência das instituições, sejam elas públicas, privadas ou ligadas ao terceiro setor. 

Nesse contexto, de forma geral, vejo nas instituições privadas um comportamento muito fluido em relação aos seus papéis de formação crítica. 

Vamos tomar como exemplo nós, aqui. Minha educação formal não me ensinou nada do funcional de que preciso para atuar profissionalmente hoje. Mas foi ela que me ensinou tudo de crítico que me permitiu dialogar com as mudanças, seguir me desenvolvendo e me adaptando a elas. 

Infelizmente, estamos abrindo mão da formação crítica, e o reflexo disso está na forma como as pessoas chegam nos ambiente de trabalho, e como cidadãs, sem capacidade reflexiva e de discernir, por exemplo, entre fontes confiáveis ou não de informação, sem consciência sobre o papel das instituições e dos instrumentos de exercício de cidadania, no limite, sem preparo para dialogar com o mundo. 

Já nas instituições públicas, e posso dizer porque já atuei como docente em uma delas, temos um corporativismo que é típico da cultura, mas que também tem dificuldades de dialogar entre as necessidades de pontes entre teoria e prática, entre conhecimento e aplicabilidade desse conhecimento construído. 

E naquelas diretamente ligadas à formação profissional, uma perspectiva curricular que serve ao agora, mas deixa de lado uma visão mais ampla de evolução e desenvolvimento.

Veja: estou falando em linhas gerais. É claro que temos instituições fazendo excelentes trabalhos de uma perspectiva institucional, ou mesmo docentes, de uma perspectiva individual, mas temos ainda desafios extremamente duros, ligados aos limites que as instituições têm para agir. 

E os contextos de estabilidade, quais os pilares que têm maior propensão a trazer estabilidade para instituições de educação e como podemos utilizá-los como forças para a gestão de mudança? E o que os gestores têm a ver com isso? Você tem percebido uma maior sensibilidade dos gestores com relação à identificação dos problemas? E com relação à capacidade desses gestores em perceber o que esses problemas indicam, o que você teria a dizer? 

Vamos começar trazendo alguns pilares que são estruturantes para uma gestão:

  • Governança e liderança: uma organização com uma estrutura de governança clara, com lideranças competentes e éticas é crucial para a estabilidade. Isso inclui uma direção estratégica bem definida, tomada de decisões informada e fundamentada, com senso de impacto e de responsabilidade em todos os níveis.
  • Cultura organizacional sólida: uma cultura que promove valores como integridade, transparência, colaboração e inovação cria um ambiente de trabalho positivo, engajando os colaboradores e alinhando-os aos objetivos da organização.
  • Gestão financeira eficiente: é claro que é preciso uma base financeira sólida, com diversificação de fontes de receita.
  • Estratégia sustentável: uma estratégia clara e sustentável, capaz de antever mudanças e os impactos dessas mudanças para a organização permite que ela se adapte e prospere.
  • Gestão de riscos e continuidade: inclui identificar, avaliar e mitigar riscos de forma proativa, além de ter planos de continuidade robustos.
  • Capacidade de inovação e adaptação: para uma organização ser estável — o que já vimos que não significa que não conviverá com mudanças em sua rotina — ela precisa ser capaz de inovar continuamente e se adaptar às mudanças da sociedade, do seu segmento, às tecnologias e necessidades das pessoas que atende. 
  • Engajamento dos colaboradores: pessoas motivadas são essenciais para a execução das estratégias e para a manutenção da cultura organizacional. Investir em desenvolvimento profissional e bem-estar dos colaboradores é crucial.
  • Relacionamento com stakeholders: manter bons relacionamentos é vital e não significa fazer aquilo que a organização acha que deve, mas ter canais de diálogo e colaboração abertos e fluidos. A confiança e a cooperação desses grupos são fundamentais para a estabilidade e o crescimento sustentável.

E o que os gestores têm a ver com isso? Tudo! É a gestão que permitirá o exercício da estabilidade a partir da utilização desses pilares de forma a atender às demandas e expectativas do tempo. Vamos tomar como exemplo a governança corporativa: na grande maioria das vezes não é preciso mudar a governança, e sim a forma como ela funciona, ou seja, capacitar as pessoas para que façam bom uso dos seus mecanismos. 

Sobre ter percebido uma maior sensibilidade dos gestores com relação à identificação dos problemas, é relativo. Muitas vezes sim. Algumas não, ainda há muita miopia. E nas vezes em que os problemas são identificados, muitas vezes esbarram na capacidade de levar a cabo as mudanças necessárias. 

De forma geral, a gestão na educação ainda está alguns passos atrás do que vemos em organizações de outros segmentos. 

Que exemplo você poderia nos dar com relação a processos de gestão conduzidos com foco na resolução dos problemas e que trouxeram bons resultados em termos de gestão pedagógica? 

Vou trazer dois exemplos que vivenciei. Um deles foi lidar com um problema de capacitação docente em uma instituição de ensino superior. Havia a necessidade de ampliar a inter e a transdisciplinaridade em sala de aula, bem como o letramento dos docentes em tecnologias e metodologias.

Foi criada uma pós-graduação lato sensu ofertada gratuitamente aos docentes que desejassem se inscrever, aberta para a inscrição de alunos externos à instituição, pagantes e não somente docentes — o que dava sustentabilidade financeira ao curso e aos docentes que atuavam no programa. 

Veja: não foi uma ação top down, e sim resultado de um grupo de discussão capitaneado pela qualidade acadêmica, com a participação não só de docentes e pesquisadores para conformação do curso, mas de pessoas de áreas administrativas da instituição, com atuação estratégica, que contribuíram com suas perspectivas profissionais e de tendências em suas áreas. 

Após a turma piloto, vimos que a mescla de alunos docentes e não-docentes — que era um receio — trouxe uma troca de experiências muito rica, que permitiu para os docentes agregarem práticas ditas de mercado, mas que traziam riqueza para as abordagens em sala de aula, ao tempo que, para os profissionais de mercado, as discussões de educação ampliaram seus olhares sobre recursos e métodos totalmente aplicáveis em ambientes corporativos. 

Para acompanhamento de resultados, tivemos pesquisas com os docentes participantes e conversas com os coordenadores dos cursos aos quais estavam ligados, acompanhando inovações em abordagens, projetos acadêmicos e de extensão, dentro dos cursos e interdisciplinares, com docentes que foram colegas nas turmas propondo iniciativas em conjunto, ampliando a experiência formativa dos estudantes, bem como os impactos dos projetos. 

Outra experiência da qual pude participar foi a criação de um laboratório de prática profissional dentro da área administrativa da universidade, com a orientação e o desenvolvimento dos alunos, conduzida em parceria entre docentes e profissionais de mercado.

Ganharam os alunos, que atuavam em situações reais em termos de escopos e prazos, habilidades e competências, ganhava a área administrativa, que podia contar com os estudantes para a execução de um escopo determinado de atividades.

Ganharam os docentes de outras disciplinas, que relataram maior compromisso e entendimento dos estudantes que faziam prática profissional no laboratório em relação à conexão entre as disciplinas e a prática. Ganhou o curso, que atendeu aos requisitos do MEC de forma excepcional, além de melhorar a percepção dos estudantes sobre sua qualidade nas avaliações institucionais. 

Por fim, Cecília, sabemos que não é receita e tampouco prescrição única para todas as situações, mas se você tivesse que dar um conselho, o que você diria aos gestores de organizações educacionais com relação à condução estratégica dos seus processos de gestão? 

Construam em conjunto. Muitas vezes quando estamos em posição de gestão nos cobramos ter todas as respostas e saber apontar todos os caminhos para as mudanças necessárias, mas a boa gestão é aquela que equilibra capacidades e vulnerabilidades em prol do desenvolvimento das pessoas e da organização. 

Em todas as experiências que pude vivenciar e participar ativamente, aquelas que deram mais certo foram as que havia espaço para escuta e participação, e não a necessidade de atender a uma ordem e fazer de um jeito específico, e daí tínhamos que construir um caminho para dar legitimidade a uma ideia top down, que muitas vezes vinha de uma pessoa gestora com distanciamento muito grande da realidade de aplicação.

Ficou com vontade de ouvir? É só acessar aqui.

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